terça-feira, 5 de julho de 2011

A construção da culpa

Leiam este artigo sobre estresse no trabalho, publicado no 03/07/2011, no jornal Folha de São Paulo. A reportagem mostra como a incidência de diabetes potencializa os efeitos do estresse nos ambientes de trabalho. Trata-se, sem dúvida, de uma informação de extrema relevância. Mas percebam a culpabilização do trabalhador no transcorrer da análise das ocorrências. Da forma como foi escrito, tem-se a impressão de que a carga de trabalho e a pressão do ambiente corporativo são apresentados como responsáveis "menores" pela questão. A condição se complica mesmo quando "há um mau controle da doença por parte do funcionário devido ao medo de ser vítima de preconceito", ou seja, somos levados a crer que, de modo preponderante,  tudo se resume a um problema de comportamento. E a reportagem prossegue evidenciando essa condição. Reparem que até nas soluções sugeridas no quadro ao lado, todas recaem sobre o comportamento trabalhador: "palestras, grupos de apoio, refeições balanceadas e ginástica." Onde ficam as alterações da carga de trabalho e da pressão no ambiente corporativo? Sumiram! Eis a construção da culpa! 
     Moral da história: É preciso evitar que toda análise recaia sobre o eventual mau comportamento do trabalhador. É preciso entender que a relação saúde e trabalho é complexa e multideterminada. É preciso ter coragem para denunciar cargas de trabalho e pressões desumanas nos ambientes corporativos. 

2 comentários:

Diogo Borba disse...

Professor, Parabéns pelas postagens. Interessante mostrar isso pois muito das expectativas que giram em torno do trabalho do psicólogo estão relacionadas à legitimação (através do papel do psicólogo) da natureza individualizada dos problemas. E isso é muito sério. todos os elementos da linguagem e do discurso constróem ajudam a construir essa visão simplista e funcional do papel do psicólogo. E é isso que gestores esperam do psicólogo quando o contratam. O comentário sobre a matéria é um alerta importante

Marcos Bueno disse...

Otimo texto Luiz, tenho estudado as contribuições de Christophe Dejours sobre a psicodinâmica do trabalho onde fala sobre esses pontos que abordou com propriedade e lucidez.
abraço,
Marcos Bueno
prof.ufg/cac