
Tudo isso evidentemente, e infelizmente, embora dramático, não é novidade no mundo do trabalho. Trata-se de mais um caso em que os trabalhadores são vistos como meros detalhes, indesejáveis, porém ainda indispensáveis à produção. Há inúmeros exemplos históricos de proporções parecidas sobre as tentativas de se ‘maximizar’ a produção, desprezando o seu componente humano. No entanto, vale registrar as tentativas de controle da vida fora do trabalho, como, por exemplo, a ideia de promover a estabilização dos padrões de vida dos trabalhadores, colocando fortes obstáculos ao desenvolvimento de suas subjetividades. Os resultados são grandes repercussões na saúde mental dessas pessoas, podendo levar inclusive, como visto, ao suicídio. Essa é mais uma faceta da atual degradação e precarização dos ambientes laborais que, guardada as devidas proporções, é possível encontrar em muitas empresas. Nesse caso, vale até fazer um pergunta provocativa: que impacto as tradicionais ferramentas utilizadas pelas empresas, como as palestras motivacionais, treinamentos de qualidade de vida, ginástica laboral, técnicas de gerenciamento de estresse, entre outras, teriam na abordagem da realidade apresentada?
Em tais condições, como conclui o Prof. Ricardo Antunes (2004, p.349), “a subjetividade da classe é transformada em um objeto, em um “sujeito-objeto”, que funciona para a auto-afirmação e a reprodução de uma força estranhada. O indivíduo chega a auto-alienar suas possibilidades mais próprias, vendendo, por exemplo, sua força de trabalho sob condições que lhe são impostas, ou, em outro plano, sacrifica-se ao consumo de prestígio, imposto pela lei de mercado”.

De todo modo, de acordo com Sr. Fábio: “Essa é a arte da boa gestão nos dias de hoje: respeitar a individualidade e dar espaço para o desenvolvimento de cada um”. Definitivamente não é o que pensam os chineses da Foxconn, mas, trocando em miúdos, penso que temos aqui uma versão repaginada (modelo Século XXI) da Teoria das Relações Humanas de Elton Mayo, para quem as controvérsias e conflitos nas relações humanas não são inerentes ao trabalho e devem ser evitadas.
Concluindo, creio que, tanto no primeiro, quanto nos segundo artigo, o problema é o mesmo: que fazer com a presença humana no trabalho? De fato, a reportagem e o artigo apresentam duas respostas distintas, porém, com o mesmo pressuposto, o de eliminar ou minimizar as contradições e os conflitos nos ambientes de trabalho, provocados pela presença do homem.
Creio que não é o caso de alinhar valores entre empresa e trabalhador para garantir o comprometimento e o bom desempenho, visando estimular a construção de significados nos trabalho, em outras palavras, de dar sentido ao trabalho. A meu ver, inclusive, o trabalho com sentido não carece de ausência de conflitos e controvérsias, pelo contrário, delas se alimentam.
Para o Prof. Yves Clot, do Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), em Paris, o que garante o sentido de nossas ações no trabalho, e, por sua vez, nos motiva, é, o desenvolvimento do poder de agir sobre o nosso próprio trabalho. Isso acontece quando é possível recorrer tanto aos recursos individuais, quanto aos construídos coletivamente diante de situações que se configuram nos ambientes de trabalho. Tais recursos são eficientes e se desenvolvem através do estímulo ao debate e a controvérsia, instaurando uma distância protetora e/ou criativa em relação ao trabalho, tendo como pressuposto que há vários ‘possíveis’ no ambiente de trabalho, ou seja, não há uma só e melhor maneira de se dar conta de uma determinada tarefa, considerando os parâmetros de qualidade e bom desempenho de um processo produtivo.