terça-feira, 2 de agosto de 2011

Há vários 'possíveis' no mundo do trabalho

      Um dos estereótipos do psicólogo organizacional que sempre me incomodou, é o de ser considerado um profissional eterna e mansamente preocupado com a ideia de construir um ser humano melhor, no caso em particular, melhor para o trabalho. Trata-se daquele perfil ‘poliana’ de ser, caracterizado pelos antigos chavões motivacionais e conciliadores, pela animação incondicional e pela ‘prontidão’ em ajudar ao próximo. Eficientes, sem dúvida, para vender livros de autoajuda, mas com resultados duvidosos em relação ao cotidiano de trabalho, onde, em muitos casos, atrapalham ou passam despercebidos. De todo modo, sempre me perguntei se não seria possível encontrar outras explicações para esse tipo de postura, além das óbvias, decorrentes da própria atuação nos ambientes de trabalho.
      Isso foi até me deparar com um artigo do Prof. Luiz Felipe Pondé, publicado na Folha de São Paulo (18/07/2011), onde se discute a questão dos ideais totalitários. Para os apressados, que já estão me chamando de maluco por associar a imagem do psicólogo organizacional ao totalitarismo sórdido: muita calma! Leiam o artigo ao lado.  
      Em dado momento Pondé afirma o seguinte: “Toda vez que alguém quiser fazer um ser humano melhor, associando ciência (o ideal da verdade), educação (o ideal de homem) e política (o ideal de mundo), estamos diante da essência do totalitarismo. O que move uma personalidade totalitária é a certeza de que está fazendo o ‘bem para todos’, não é a vontade de destruir grupos diferentes do dela”. Como o próprio autor observa, para a nossa surpresa, a ligação entre ideais de ciência, educação e política, raramente são associados ao totalitarismo, mas faz todo o sentido.
      Posso estar exagerando, mas se fizermos uma análise do discurso de alguns psicólogos organizacionais ou até mesmo de outros profissionais de RH, ou então, do conteúdo da maioria das palestras motivacionais e de manuais de autoajuda, por exemplo, não será surpresa se as condições apontadas acima para totalitarismo forem encontradas em boa parte dos casos.
     Mais interessante ainda é o antídoto, proposto pelo autor, a essa ‘tentação totalitária’: a dúvida acerca do que é ou não o bem, ou então, sobre o que é certo ou errado, ou ainda, qual o melhor caminho a ser seguido. Não só concordo, como acho que essa é a chave para o avanço da psicologia do trabalho, ou seja, a ideia de que há vários caminhos possíveis, há vários ‘certos’ no ambiente de trabalho, afastando a pretensão totalitária de encontrar o ‘método’ perfeito para motivar pessoas, para melhorar o seu desempenho, para torná-las mais comprometidas, proativas e flexíveis com o seu trabalho, aliás, penso que quanto menos definidos os pressupostos de como deveriam ser ou se comportar as pessoas nos ambientes de trabalho melhor. Por um lado, promove-se certo desconforto intelectual, por outro, estimula-se o desenvolvimento da atividade de trabalho.   
      E para fechar, estou com o Pondé: “não confio em ninguém que queira criar um homem melhor”.

Um comentário:

André disse...

O que quereria então um psicólogo inserido numa organização - ou um psicólogo em geral? Talvez não fosse o caso de desconfiar de quem queira 'fazer' um homem melhor, mas daqueles que relutam em aceitar outros modos igualmente 'melhores' de ser humano no mundo. De qualquer forma, é uma discussão interessante. Essa comparação com o totalitarismo está ressoando na minha cabeça.