quarta-feira, 20 de julho de 2011

Aparentes contradições


     No dia 24/04/2011, o caderno ‘Mercado’, da Folha de São Paulo (FSP), publicou uma matéria sobre as condições de trabalho da empresa Foxconn, na China. Trata-se de uma das maiores fabricantes de componentes eletrônicos do mundo. De acordo com a reportagem, disponível ao lado, os funcionários dessa empresa, submetidos ao um regime semimilitar, relataram possuir uma rotina de trabalho pesada e de forte pressão por produtividade, permeada por broncas humilhantes, falta de privacidade, longas horas extras, etc. Ainda, em 2010, em face desse cenário, foram registrados 14 suicídios de trabalhadores, o que motivou a empresa a tomar medidas inusitadas como instalar grades nas janelas e redes sob os dormitórios, para evitar, pasmem, que os seus funcionários se joguem, além de proporcionar um reajuste no salário.
     Tudo isso evidentemente, e infelizmente, embora dramático, não é novidade no mundo do trabalho. Trata-se de mais um caso em que os trabalhadores são vistos como meros detalhes, indesejáveis, porém ainda indispensáveis à produção. Há inúmeros exemplos históricos de proporções parecidas sobre as tentativas de se ‘maximizar’ a produção, desprezando o seu componente humano. No entanto, vale registrar as tentativas de controle da vida fora do trabalho, como, por exemplo, a ideia de promover a estabilização dos padrões de vida dos trabalhadores, colocando fortes obstáculos ao desenvolvimento de suas subjetividades. Os resultados são grandes repercussões na saúde mental dessas pessoas, podendo levar inclusive, como visto, ao suicídio. Essa é mais uma faceta da atual degradação e precarização dos ambientes laborais que, guardada as devidas proporções, é possível encontrar em muitas empresas. Nesse caso, vale até fazer um pergunta provocativa: que impacto as tradicionais ferramentas utilizadas pelas empresas, como as palestras motivacionais, treinamentos de qualidade de vida, ginástica laboral, técnicas de gerenciamento de estresse, entre outras, teriam na abordagem da realidade apresentada?
     Em tais condições, como conclui o Prof. Ricardo Antunes (2004, p.349), “a subjetividade da classe é transformada em um objeto, em um “sujeito-objeto”, que funciona para a auto-afirmação e a reprodução de uma força estranhada. O indivíduo chega a auto-alienar suas possibilidades mais próprias, vendendo, por exemplo, sua força de trabalho sob condições que lhe são impostas, ou, em outro plano, sacrifica-se ao consumo de prestígio, imposto pela lei de mercado”.

    Vocês devem estar se perguntando: e as aparentes contradições? Onde estão? Pois bem, ocorre que nessa mesma edição do caderno ‘Mercado’, foi publicado um artigo, do Sr. Fábio Barbosa, intitulado ‘Atrair talentos’. O autor procura mostrar que não é adepto da perspectiva que procura eliminar ou minimizar a presença do componente humano na produção, associado, nesse caso, às questões afetivas e emocionais. Afirma até o contrário, pois seria justamente a valorização desses elementos que garantiriam, para os trabalhadores, o desenvolvimento do significado de seu trabalho. Porém, sem dizer como, usando velhos chavões da área e misturando aleatoriamente uma série de conceitos, o autor anuncia: “Quando se encaixa o perfil das pessoas aos quesitos de um determinado trabalho, quando há identidade de valores e as motivações estão alinhadas, a autoestima de cada um fica elevada e a performance da equipe entra numa dinâmica positiva, em que todos saem ganhando”. Parafraseando Garrincha: “Professor, o senhor já combinou isso com os russos?” (Pergunta feita diante das instruções táticas do técnico da seleção brasileira, mostrando como superar a defesa soviética, em partida válida pela Copa de 1958).
     De todo modo, de acordo com Sr. Fábio: “Essa é a arte da boa gestão nos dias de hoje: respeitar a individualidade e dar espaço para o desenvolvimento de cada um”. Definitivamente não é o que pensam os chineses da Foxconn, mas, trocando em miúdos, penso que temos aqui uma versão repaginada (modelo Século XXI) da Teoria das Relações Humanas de Elton Mayo, para quem as controvérsias e conflitos nas relações humanas não são inerentes ao trabalho e devem ser evitadas.
Concluindo, creio que, tanto no primeiro, quanto nos segundo artigo, o problema é o mesmo: que fazer com a presença humana no trabalho? De fato, a reportagem e o artigo apresentam duas respostas distintas, porém, com o mesmo pressuposto, o de eliminar ou minimizar as contradições e os conflitos nos ambientes de trabalho, provocados pela presença do homem.
     Creio que não é o caso de alinhar valores entre empresa e trabalhador para garantir o comprometimento e o bom desempenho, visando estimular a construção de significados nos trabalho, em outras palavras, de dar sentido ao trabalho. A meu ver, inclusive, o trabalho com sentido não carece de ausência de conflitos e controvérsias, pelo contrário, delas se alimentam.
    Para o Prof. Yves Clot, do Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), em Paris, o que garante o sentido de nossas ações no trabalho, e, por sua vez, nos motiva, é, o desenvolvimento do poder de agir sobre o nosso próprio trabalho. Isso acontece quando é possível recorrer tanto aos recursos individuais, quanto aos construídos coletivamente diante de situações que se configuram nos ambientes de trabalho. Tais recursos são eficientes e se desenvolvem através do estímulo ao debate e a controvérsia, instaurando uma distância protetora e/ou criativa em relação ao trabalho, tendo como pressuposto que há vários ‘possíveis’ no ambiente de trabalho, ou seja, não há uma só e melhor maneira de se dar conta de uma determinada tarefa, considerando os parâmetros de qualidade e bom desempenho de um processo produtivo.

ANTUNES, Ricardo; ALVES, Giovanni. As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital. Educ. Soc.,  Campinas,  v. 25,  n. 87, Aug.  2004 . 










terça-feira, 5 de julho de 2011

A construção da culpa

Leiam este artigo sobre estresse no trabalho, publicado no 03/07/2011, no jornal Folha de São Paulo. A reportagem mostra como a incidência de diabetes potencializa os efeitos do estresse nos ambientes de trabalho. Trata-se, sem dúvida, de uma informação de extrema relevância. Mas percebam a culpabilização do trabalhador no transcorrer da análise das ocorrências. Da forma como foi escrito, tem-se a impressão de que a carga de trabalho e a pressão do ambiente corporativo são apresentados como responsáveis "menores" pela questão. A condição se complica mesmo quando "há um mau controle da doença por parte do funcionário devido ao medo de ser vítima de preconceito", ou seja, somos levados a crer que, de modo preponderante,  tudo se resume a um problema de comportamento. E a reportagem prossegue evidenciando essa condição. Reparem que até nas soluções sugeridas no quadro ao lado, todas recaem sobre o comportamento trabalhador: "palestras, grupos de apoio, refeições balanceadas e ginástica." Onde ficam as alterações da carga de trabalho e da pressão no ambiente corporativo? Sumiram! Eis a construção da culpa! 
     Moral da história: É preciso evitar que toda análise recaia sobre o eventual mau comportamento do trabalhador. É preciso entender que a relação saúde e trabalho é complexa e multideterminada. É preciso ter coragem para denunciar cargas de trabalho e pressões desumanas nos ambientes corporativos. 

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Aparentemente simples!


Considero esse artigo do Sr.Rubem Alves muito bom para iniciar essa proposta de análise crítica do paradigma teórico da psicologia do trabalho, predominante nos meios de comunicação. Seu objetivo principal foi mostrar a possibilidade de transformação pedagógica do seguinte dito de Riobaldo, clássica personagem de Guimarães Rosa: "O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia". Depois da transformação, ficou assim: "A inteligência não está na saída e nem na chegada, ela se dispõe para gente é no meio da travessia". O leitor já deve estar curioso para saber o que isso tem a ver com psicologia do trabalho. Pois bem: minha proposta refere-se à possibilidade de transformação psicológica desse dito: "O trabalho humano não está na saída e nem na chegada, ele se dispõe para a gente é no meio da travessia". Não se observa o trabalho humano lendo as instruções de como fazer um sapato, nem mesmo olhando para o próprio sapato depois de pronto. 
      Para compreender e analisar o trabalho humano, envolvido nesse processo, é preciso, no mínimo, ver alguém fazendo o sapato, ou então, fazer um sapato. Evidentemente, se o que importa é o que está no meio da travessia, é preciso considerar, de início, em eventuais análises desse trabalho, quem faz, com quem faz, como faz e onde faz.
      Tal condição, portanto, inviabiliza análises e práticas, bastante comuns em psicologia do trabalho, que enfatizam o papel do trabalhador nos processos de trabalho, sem as devidas contextualizações. As eventuais "falhas humanas" detectadas nos ambientes de trabalho, não se referem apenas a fatores individuais, desrespeito ao trabalho prescrito ou até mesmo decisões "premeditadas" dos trabalhadores. 
      Nesse caso, questiona-se qual a real pertinência da enorme quantidade de treinamentos, espalhados pela maioria das organizações de trabalho, que buscam, exclusivamente, "corrigir e orientar" o comportamento humano? Não há um equívoco em estruturar tais práticas, na maioria das vezes, apenas a partir de modelos de tarefas ideais e descontextualizadas?   

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Cenários do mundo do Trabalho

      1º de maio é o Dia do Trabalho. Comemorado desde 1895 no Brasil virou feriado nacional em setembro de 1925. Depois de um século e alguns anos, o que temos nós para consagrar nesta data? Quais são, atualmente, as principais tendências e perspectivas do mundo do trabalho?
    A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 6.000 trabalhadores morrem a cada dia no mundo devido a acidentes e doenças relacionadas com o trabalho. Além disso, a cada ano ocorrem 270 milhões de acidentes de trabalho não fatais e 160 milhões de casos de doenças profissionais. Apenas no Estado de São Paulo, segundo a Coordenação Estadual de Saúde do Trabalhador, a cada ano ocorrem 400 mil acidentes e doenças relacionadas com o trabalho, dos quais 5.000 chegam a óbito (2 mortes a cada 3 horas). O custo estimado é de 4,8 bilhões de dólares ao ano.
       Além desses indicadores, sabe-se que no Brasil, convivem, ao mesmo tempo, modernas organizações empresariais com boa organização e condições de trabalho e a prática do emprego de mão-de-obra escrava em algumas cadeias produtivas. A realidade do emprego estável para toda vida acabou, em contra partida, verifica-se o crescimento de formas mais precárias de inserção no mercado de trabalho. O trabalho informal responde por cerca de 70% de nossa População Economicamente Ativa (PEA). A reestruturação produtiva reduziu o emprego na indústria e assistimos ao forte crescimento do setor de serviços. Vale salientar ainda, o aumento significativo do trabalho feminino, geralmente ligado a atividades de baixa qualificação e remuneração, além da baixa perspectiva de emprego para os jovens e para os trabalhadores considerados “idosos”.
   Nesse cenário, novas competências e habilidades são exigidas dos trabalhadores, assim como, novas propostas de prevenção e promoção da segurança e da saúde no trabalho são formuladas pelos gestores.
    Habilidades intelectuais e comportamentais como atualização constante; soluções inovadoras; decisões criativas, diferenciadas e rápidas; flexibilidade; liderança e aptidão para manter relações pessoais e profissionais estão em alta. Entretanto, apesar de sua importância, na maioria das vezes, tais habilidades se transformam em verdadeiros imperativos comportamentais do tipo: seja surpreendente! Seja criativo! Seja carismático! Seja proativo! Quebre paradigmas! E, não se esqueça, mantenha sempre o bom humor! Ufa! É de perder o fôlego e a paciência também! Contribuem, na verdade, para a manutenção de um sentimento de culpa por não conseguirmos cumpri-las plenamente, que por sua vez podem acarretar em transtornos mentais.
     De fato, o trabalho possui um sentido tanto individual quanto social, exercendo uma função mediadora na produção da vida de cada um ao garantir subsistência, criar sentidos existenciais ou contribuir na estruturação da identidade e da subjetividade do trabalhador.
     Segundo especialistas, um trabalho que tem sentido é importante, útil e legítimo para aquele que o realiza e apresenta três características fundamentais: a variedade de tarefas que possibilita a utilização de competências diversas; um trabalho não-alienante, onde o trabalhador consegue identificar todo o processo – desde sua concepção até sua finalização e, o retorno sobre seu desempenho nas atividades realizadas, permitindo ao indivíduo que faça os ajustes necessários para melhorar sua performance ou mesmo possa contribuir para mudanças da cultura institucional em prol de ações produtivas e não massacrantes. A questão é que nem sempre essas são condições oferecidas pelas organizações.
     O trabalho com sentido faz com que o trabalhador conheça e se interesse mais sobre sua atividade e possibilita que as organizações alcancem a eficácia sem a preocupação de constantes reforços ao trabalhador com "programas motivacionais" para estimulá-lo a gerar melhor desempenho. Aliás, tais programas são, em geral, ineficientes e deslocados da realidade, pois não passam de lugar-comum.
     Por fim, em relação à saúde e segurança no trabalho, empresários e trabalhadores deveriam refletir sobre como controlar ou reduzir os riscos em seu ambiente de trabalho com o objetivo de prevenir acidentes e doenças. Aos governantes, por sua vez, ficam os desafios de formular políticas públicas que promovam a eficiência, a transparência e a competência em nome da promoção da saúde no trabalho e da manutenção de um desenvolvimento sustentável. Vale lembrar que 28 de abril é o dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho, uma campanha internacional destinada a promover tanto a saúde e a segurança no trabalho quanto o trabalho decente.